Adam Rutherford: “A natureza não dá a mínima para o que pensamos”

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Em livro recém-lançado no Brasil, geneticista britânico explica por que a capacidade de ensinar é o que diferencia os humanos de outras espécies

Adam Rutherford, autor de O livro dos humanos (Foto: Wikimedia commons)
Adam Rutherford, autor de O livro dos humanos (Foto: Wikimedia commons)

O que difere os humanos dos outros seres vivos? Está aí uma simples (e difícil) questão. Desde que Charles Darwin publicou suas ideias em A origem das espécies, em 1859, as teorias sobre as diferenças entre nós e outras espécies evoluíram bastante. Quase um século depois, em 1953, a ciência da vida passou por outra revolução quando James Watson e Francis Crick, graças às descobertas de Rosalind Franklin, descobriram a estrutura do DNA.

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA GALILEU | Por Giuliana Viggiano

A ironia, no entanto, é perceber que, quanto mais se sabe sobre biologia, mais difícil é explicar o que diferencia o Homo sapiens das outras espécies. São muitos os comportamentos considerados humanos que, nas últimas décadas, foram observados em outros animais. Além disso, quando o assunto é genética, parecemos ainda menos “exclusivos”, pois dividimos genes com uma gama enorme de outros organismos.

Isso explica por que a curiosidade sobre nossas particularidades (não tão particulares assim) segue viva entre muitos cientistas, entre eles o geneticista britânico Adam Rutherford. Ele estuda biologia há mais de 25 anos, pesquisando conexões e divergências entre os milhares de organismos mundo afora — e escrevendo sobre o assunto.

Em O livro dos humanos: A história de como nos tornamos quem somos, publicado em 2018 e trazido para o Brasil em 2020 pela editora Record, o autor compartilha o que descobriu em mais de duas décadas estudando o assunto. “Temos muitas características que parecem ser exclusivamente humanas, mas se olharmos mais de perto, não são. Por exemplo, fazer sexo por prazer, estados emocionais como amor e luto, sexo coersivo, necrofilia, a fabricação de ferramentas… Tudo isso já foi observado em outras espécies”, disse Rutherford, em uma conversa por telefone com GALILEU. A obra também traz reflexões sobre a evolução da ciência e fala da importância de compreendermos a natureza pelo que ela é, e não pelo que achamos que seja.https://064bc6a0c066ccb971b965b5380a38c6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Confira a seguir entrevista completa:

Você já escreveu livros sobre diversos outros temas. Por que escolheu esse assunto para esta nova publicação?
No fim do meu último livro, Uma breve história de todas as pessoas que já viveram (2016), falo sobre o que achamos que torna os humanos excepcionais, mas ainda assim é comum em outras espécies. Eu escrevi algo como “a sensação é que se todos somos especiais, ninguém realmente é especial”. Não percebi na hora, mas essa frase veio diretamente do filme Os Incríveis, da Disney (risos). Fato é que isso plantou uma semente na minha cabeça e decidi focar no que diferencia os humanos das outras espécies.

Como foi o processo para escrever o livro?
A parte escrita em si levou cerca de dois anos, mas, para falar a verdade, estudo o assunto há 25 anos, então esse é um trabalho de muito tempo. Ah, e claro que só pude escrever esse livro graças a pesquisas feitas por gerações de humanos que existiram antes de mim. Esse é um ótimo exemplo do que concluo no livro: o que nos difere enquanto espécie é a capacidade de, a partir da comunicação, ensinar o que aprendemos.

Então, basicamente, a explicação do que nos diferencia é a capacidade de ensinar?
Exatamente! Temos muitas características que parecem ser exclusivamente humanas, mas se olharmos mais de perto, não são. Por exemplo, fazer sexo por prazer, estados emocionais como amor e luto, sexo coersivo, necrofilia, a fabricação de ferramentas… Tudo isso já foi observado em outras espécies.

Acredito que a comunicação falada também seja um dos nossos diferenciais, mas o principal é que somos uma espécie social de professores e alunos. Outros animais aprendem na prática ou copiando outros indivíduos, mas nunca foram observados fazendo o que estamos fazendo agora, por exemplo.

Eu e você nunca nos conhecemos, não somos parte da mesma família e não teremos mais chances de sobreviver por compartilhar informações. Além disso, é improvável que algum dia nos encontremos e menos provável ainda que tenhamos filhos. Não ganhamos nada, diretamente, por essa troca de conhecimentos e, ainda assim, cá estamos, compartilhando o que sabemos. É isso o que os humanos fazem.

Acredito que a comunicação falada também seja um dos nossos diferenciais, mas o principal é que somos uma espécie social de professores e alunos. Outros animais aprendem na prática ou copiando outros indivíduos, mas nunca foram observados fazendo o que estamos fazendo agora, por exemplo.

Eu e você nunca nos conhecemos, não somos parte da mesma família e não teremos mais chances de sobreviver por compartilhar informações. Além disso, é improvável que algum dia nos encontremos e menos provável ainda que tenhamos filhos. Não ganhamos nada, diretamente, por essa troca de conhecimentos e, ainda assim, cá estamos, compartilhando o que sabemos. É isso o que os humanos fazem.