Documentário de Michael Moore é tóxico e tendencioso. Planeta dos Humanos: a farsa

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O documentário “Planeta dos Humanos” de Michael Moore, Jeff Gibbs e Ozzie Zehner, autor do livro “Ilusões Verdes: os segredos imundos das energias limpas e o futuro do ambientalismo” possui muitas informações falsas e é um tendencioso ataque às politicas de energias limpas, mostrando que possivelmente existam interesses escusos por trás do movimento.

Em uma das cenas, um homem diz que um grande arranjo fotovoltaico que é mostrado em um evento (que descobrimos ser uma gravação de 2005) “é o suficiente para ligar uma torradeira de 1.200W” e em outra cena um senhor diz que os painéis possuem apenas 8% de eficiência e se você quiser algo melhor teria que desembolsar uma quantia de 1 milhão de dólares por polegada quadrada.

Ambas afirmações são totalmente mentirosas e chegam a doer aos ouvidos de pessoas que entendem tecnicamente do assunto. O arranjo com 60 painéis de 300W que o entrevistado se refere, que só poderia ligar uma torradeira, é capaz de gerar mais de 18.000W o que seria sim suficiente para tocar um show. Aqui na sede do Instituto Pindorama com apenas 8 painéis de 150W utilizamos até um forno elétrico, torradeira e geladeira, fora outros equipamentos como computadores, roteadores e iluminação.

Atualmente existem painéis mais eficientes e que não custam “1 milhão de dólares por polegada quadrada” como Moore maliciosamente usa no filme.

Mineração

“Tá bom Nilson, mas e toda mineração para fazer os painéis, turbinas e todo resto?”. Sim, os processos industriais são altamente devastadores e poluentes. O telefone que você está usando agora possui minérios raros provenientes da África e explorados com a utilização de mão de obra infantil praticamente escrava, assim como quartzo, silício e carvão, que são ditos no documentário como principais matérias prima dos painéis. Sim, são matéria prima de painéis, computadores, smartphones, televisores, automóveis, torradeiras, as câmeras com as quais ele filmou o documentário, os computadores usados na edição do documentário e os aviões que Jeff Gibbs utilizou para cruzar os Estados Unidos durante as gravações.

O ataque ao que chamamos de “Green Washing” (“dar um banho de verde em algo que é na verdade sujo, falso e poluente”) é saudável e deve fazer parte da consciência de todos os consumidores. Estar atento à afirmações mentirosas como a questão de que a queima de biomassa é “energia limpa” e de empresas que alegam que 100% de sua produção é feita com energias renováveis, como a Apple afirma, ao mesmo tempo em que compra minérios explorados com uso de combustíveis fósseis e provenientes de trabalho escravo infantil.

Porém um ponto que os produtores do documentário disseram “desconhecer” depois que foram questionados, é que a fábrica da TESLA está conectada à rede, assim como a Google, Apple e todo mundo que gera energia solar ou eólica, pois desta forma você joga o excedente para a rede. Estranho como uma informação tão básica para qualquer pessoa que pesquise o mínimo sobre energia solar seria desconhecida pelos produtores, na cena onde mostram a fábrica da TESLA e decepcionados com o fato dela estra ligada à rede, o que na verdade permite que consumidores usem a energia produzida pelos painéis da TESLA ao invés da energia de termoelétricas por exemplo.

O ataque ao que o grupo responsável pelo tendencioso documentário chama de “Ambientalismo” ou “Energias Limpas” praticamente faz seus espectadores acreditarem que tudo não passa de uma farsa e que nunca a humanidade será capaz de ter uma matriz energética realmente limpa, apelando para cenas com animais sendo moídos vivos pois depois de queimar todas as árvores em usinas de biomassa, só nos restará usar a gordura animal para alimentar nossos motores.

Afirmações Falsas

Moore e Gibbs induzem o espectador ao erro, concluo que, por má fé mesmo. Em certo momento do filme é mostrado um gráfico para afirmar que as energias limpas contribuem com um percentual muito pequeno de toda energia usada na Alemanha. Mais honesto seria apresentar um gráfico mostrando a contribuição das energias limpas no consumo total de eletricidade e não de energia. Se consideramos que 30% da eletricidade usada na Alemanha é proveniente de energias alternativas como solar e eólica, isto tem um peso. Mas se colocarmos no mesmo bolo, tudo relacionado à energia, consideramos o petróleo usado nos carros, gás e óleo usado para calefação das casas e nas indústrias, aí parece que é muito pouco ou quase nada. A Dinamarca produziu mais de 47% de sua eletricidade a partir de fontes eólicas em 2019. Isto não é pouco.

Em outro momento do filme eles afirmam que a usina de concentradores solares necessita utilizar gás todas as manhãs para iniciar a geração de energia, e realmente a usina Ivanpah na Califórnia precisa, porém outras usinas mais recentes já não utilizam mais.

Intermitência

Um dos pontos que o documentário bate muito é que o sol e o vento não são constantes. Isto já virou até piada entre os brasileiros quando a Presidenta Dilma disse que o ideal seria uma tecnologia que estocasse o vento. O que Gibbs e Moore não mencionaram é que há décadas, as hidroelétricas cumprem este papel, já que suas comportas são abertas e a água armazenada é utilizada durantes certos períodos para compensar a ausência de outras fontes. Além disto, aqui no Brasil, FURNAS pesquisa os “supercapacitores” que substituiriam as poluentes baterias que hoje possuem uma vida útil muito curta. Os supercapacitores teriam a longevidade de 100 anos e seriam produzidos com matérias-primas muito menos poluentes e baratas do que as baterias de lítio utilizada pelos carros elétricos.

A energia das marés e ondas vem sendo utilizada no Brasil como fontes alternativas e que podem equilibrar períodos com menos vento ou sol, embora no Brasil, não tenhamos muitos problemas com isso pois temos regiões litorâneas com vento constante o ano todo, embora obviamente saibamos que existe um impacto ambiental enorme com os grandes aerogeradores, algo que se resolveria em modelos descentralizados com pequenas turbinas eólicas e hidráulicas.

Carros Elétricos

O documentário também leva o espectador à acreditar que a única forma de recarregar um veículo elétrico é ligando ele na tomada de uma casa abastecida por uma usina termoelétrica e isso também é falso, ainda mais quando o vídeo usado no documentário é de 2010. Em 10 anos muitas coisas mudaram. O carro pode ser abastecido por energia proveniente de painéis solares ou turbinas. Estes equipamentos foram construídos usando combustíveis fósseis? Em quase todos os casos sim, porém hoje já vemos a própria indústria avançando neste ponto com fábricas inteiras energizadas por painéis e até mesmo cimento sendo produzido com uso de energia solar.

O Brasil no Documentário

Diversas vezes nosso país é citado no documentário, com foco na produção do etanol e no desmatamento da Amazônia, segundo o filme, para alimentar usinas de biomassa que usam árvores como combustíveis. Ora, quem tem um mínimo de noção do que se passa no Brasil sabe que a maior parte das queimadas ocorre no próprio local, ou seja, a madeira não é transportada para ser queimadas em usinas, e que estas queimadas são fomentadas pela indústria de produção de carne bovina e para o plantio de soja e milho para ração animal. Mais uma vez Moore perde oportunidade de trazer à luz os fatos verdadeiros, mostrando que não houve ética ao costurar as falas e o raciocínio do documentário.

O grande vilão

Em várias cenas do filme Moore questiona o envolvimento de bilionários no movimento verde, como os Rockfeller, os Koch e grandes corporações. Sem dúvida é louvável este questionamento e certamente no capitalismo moderno, onde “negócios são negócios” não existe nenhum grande ideal por trás deste interesse pelos negócios verdes.
Por mais bem-intencionado e engajado com as questões ambientais que um empresário possa ser, a realidade é que a própria sobrevivência de seu empreendimento no mercado exclui o desenvolvimento de uma orientação ecológica de peso. A adoção de práticas ecológicas verdadeiras coloca este empresário ecologicamente engajado, numa desvantagem enorme, quase fatal, dentro da relação competitiva com seu rival – que, operando este sem regras ambientais ou preocupações morais, produz mercadorias baratas a custos baixos e tira maiores lucros para futura expansão de capital. O mercado tem sua própria lei de sobrevivência: apenas os mais inescrupulosos podem chegar ao topo na luta competitiva.

Neste caso, ao invés de colocar em xeque empresários e organizações específicas como fez com Bill McKibben e o 350.org , Moore perde a oportunidade de colocar o sistema capitalista, mercantilista e totalitário como o grande vilão, mostrando alternativas que já são estudadas como a ecologia social. De fato a única solução que Moore e Gibbs propõem nas entrelinhas de seu falacioso documentário é um extermínio em massa de grande parte da população e dão força para o repertório de negacionistas e neo-malthusianos em todo o mundo.

O mundo em Transição

Nosso mundo está em transição de matriz energética e obviamente tudo hoje tem uma determinada pegada de combustíveis fósseis. As polaridades políticas agora incitadas pelas fake news e o poder das redes sociais cresce. Porém temos a Permacultura como um movimento de desaceleração para uma humanidade menos dependente de combustíveis e bens de consumo. Certamente menos é mais, não existe uma forma de consumo infinito num planeta finito e a mudança de verdade já começou e precisa acelerar. O êxodo para a zona rural é algo que veremos ganhar proporções maiores num mundo pós-pandemia que se prepara para uma das maiores recessões da história e a autossuficiência, soberania alimentar, uma vida com menos consumismo, mais minimalista, concertando coisas ao invés de descartá-las, com os princípios éticos de cuidar das pessoas, cuidar do planeta e partilhar os excedentes, isto é sem dúvida o que pode nos trazer algum alento e esperanças de um futuro melhor.

Logo, um filme que pretende se preocupar com o meio ambiente e o futuro da humanidade e porém procura minar o apoio às coisas que devemos fazer para salvar este planeta, e a nós mesmos, é pior do que uma decepção. É imprudente.