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Por que os projetos e as organizações coletivas em sua grande maioria fracassam?
Acredito em coletivos e organizações horizontais e circulares. Ajudei a cocriar algumas dezenas de coletivos, organizações, associações e uma infinidade de projetos, nos últimos vinte e cinco anos, onde as pessoas desejavam fazer algo juntas, logrei sucesso em muitos, mas nem sempre foi fácil e nem sempre esses projetos foram pra frente.
Justamente por ter participado de tantas iniciativas e experiências distintas, atualmente esse é um dos trabalhos que me proponho a realizar. Colaborar com a facilitação e ferramentas para organizar grupos e coletivos, visando instrumentalizá los para atuarem de maneira mais acertiva e efetiva. Nessa caminhada vi muitas experiências também darem certo, dessa maneira pude perceber onde a dinâmica bloqueia e leva ao fracasso.
E nessa abordagem destaco os três pontos nevrálgicos para todas as organizações, que se resumem no meu modo de ver a estes três desafios:
Tomada de decisão coletiva
A maioria dos coletivos não conhece ou adota ferramentas efetivas e funcionais para tomar decisões. Acabam optando por um modelo de democracia representativa, onde maioria vence minoria. Esse modelo, já demonstrou estar fracassado para os formatos institucionais, ainda mais se formos adotá lo para organizações que buscam uma equidade de direitos e de participação. Pensar organizações horizontais e circulares não hierárquicas, adotando esse modelo para tomar decisão, é pensar em decisões baseadas em estratégias de convencimento e disputa de egos.
Novas ferramentas já estão em uso, já foram desenvolvidas para um estágio mais evoluído de consciência e participação. Podemos citar aqui o consenso, a sóciocracia, a holocracia e a autogestão.
Dentro deste tópico, destaco ainda a importância de formatos de reunião que sejam eficientes e agradáveis. A importância de membros do grupo bem treinados em processos de facilitação desses encontros também é fundamental assim como um treinamento e nivelamento da equipe ara o uso da metodologia adotada pelo projeto.
Resolução pacífica de conflitos
Outro ponto importante, que geralmente gera a destruição de muitas coletividades é a gestão e resolução de conflitos. Os conflitos são naturais e saudáveis para uma organização se o grupo tiver mecanismos de lidar e prevenir esses conflitos.
Existem mutias ferramentas já testadas e aprovadas para esse fim, muitas inspiradas em conceitos tribais e ancestrais de lidar com a questão, outras, inspiradas em mediação e negociação.
Vivemos em uma sociedade que nos incutiu o conceito de individualismo e de separatividade. Temos uma tendência a não querer lidar de forma clara e objetiva com conflitos dentro de coletivos ou fingimos não ver. No entanto, justamente por não ter espaço para serem dirimidos, esses conflitos vão permeando as relações e contaminando a todas as pessoas do grupo, extrapolando o limite das relações saudáveis. Dessa maneira, uma questão que poderia ter sido resolvida de maneira bastante pontual e prática, muitas vezes ganha uma dimensão muito maior, e em muitos casos destrói a confiança e o espírito de fraternidade entre os participantes da organização.
Comunicação não violenta
Nunca tivemos tantas ferramentas para nos comunicar na história humana, e nunca nos comunicamos tão mal.
Em uma organização coletiva, muitas vezes, indivíduos são atropelados e desrespeitados em sua maneira de se comunicar. Geralmente aqueles que melhor articulam suas ideias e possuem o dom da eloquência, acabam manipulando os espaços de fala, muitas vezes impossibilitando a expressão dos mais tímidos ou menos articulados. Outra tendência é a manipulação do tempo de expressão e fala dentro das reuniões. Se o grupo não estiver atento e adotar ferramentas objetivas para a distribuição do poder da palavra dentro dos encontros, alguns participantes não terão espaço para se expressarem e comunicarem suas propostas, pensamentos e ideias.
Exercitar a escuta também é importante. Ter tempo para falar mas também para escutar e perceber dentro de si onde aquela fala ressoa, onde incomoda, por que incomoda, o que gera identificação ou resistência. Existem hoje inúmeras oficinas e treinamentos em comunicação não violenta, que vai muito além do que o senso comum imagina que seja.
Pra dar certo, a conclusão é:
Não basta se juntar e ter boas ideias e projetos junto. Viver um coletivo ou uma comunidade onde haja conexão verdadeira é algo que requer, para a nossa sociedade, um trabalho de cura das relações e o conhecimento e prática de novas metodologias.
Precisamos fazer a mudança de um paradigma de individualidade e competição, para uma nova visão de mundo mais colaborativa e circular, um resgate do sentimento de pertencimento tribal e sentido de comunidade.