Por que é tão difícil fazer mudanças?

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Quem de nós nunca quis transformar a realidade em que vive? Quem de nós nunca pensou em fazer uma mudança nos próprios pensamentos, nas relações familiares, profissionais ou conjugais de forma mágica? Quem não sonhou em mudar o outro com quem convive, ou o líder da empresa em que trabalha em seu próprio benefício?

Ao longo de minha vida profissional me deparei com muitas situações em que as pessoas percebiam e manifestavam a necessidade de acontecerem mudanças na realidade da organização e na sua própria. Na organização se quer chegar aos resultados almejados, a um clima melhor entre as pessoas, a tomadas de iniciativas responsáveis e assim por diante. Na vida pessoal as pessoas sentem necessidade de serem mais produtivas, de terem melhor qualidade de vida, de fazerem as melhores escolhas. Todos sabem que mudar é um desafio e muitas vezes pedem ajuda a um profissional com a expectativa de depositar nele a responsabilidade pelo milagre da mudança.

Recorrentemente nessas situações eu tenho lembrado meus clientes que o poder de mudar está na mão de cada indivíduo. Numa organização quando se espera uma mudança em sua realidade estamos também falando da mudança das pessoas que nela colaboram. É com a mudança que cada um processa em si mesmo que contribui para a mudança da organização e à medida que a organização muda, cada indivíduo encontra as condições para melhor atuar. Isso se dá de tal forma que um círculo virtuoso é nutrido pelos indivíduos que empreendem de forma frutífera na vida social contribuindo para que as condições da organização mudem e, por outro lado, a organização oferece melhores condições para os indivíduos empreenderem. Nesse círculo virtuoso ambos, indivíduo e organização, são movidos por  continuo aprender e empreender. Como resultado as mudanças almejadas tem muito mais chances de serem duradouras e fecundas. A premissa essencial para isso é que indivíduo e organização se disponham a superar o fenômeno da resistência à mudança e a embarcar num processo de continuamente desaprender o aprendido e aprender o novo. Paradoxal?

Sim, mudar é totalmente paradoxal na medida em que desejamos mudar e ao mesmo tempo lutamos com a permanência. Já nas primeiras escolas de filosofia grega se discutia a questão da mudança e da permanência; afinal mudamos e permanecemos os mesmos. Qual é então a essência que persiste no processo de mudança? Se tomarmos como exemplo uma flor e a observarmos atentamente podemos ver que no momento seguinte ela já se alterou, há um fluxo de tempo atuando que faz com que, embora a evolução seja permanente, a nossa consciência sobre essa evolução não consegue acontecer em tempo real e sim depois que ela aconteceu. A vida ocorre num fluxo tal que enquanto estamos focados num processo outros estão acontecendo e corremos o risco de que o processo de mudança fique imediatamente obsoleto. Isso nos leva a concluir que é importante desenvolver uma visão clara da mudança que se almeja e que o fluxo do processo vai evidenciando qual a direção a seguir rumo ao futuro. A flor será a mesma em sua essência, mas será ao mesmo tempo diferente dependendo das condições do tempo, da umidade, dos ventos. O momento presente com vistas ao resultado almejado nos dá as referências de qual é o próximo passo necessário para manter o fluxo do desenvolvimento. E, embora paradoxal, é importante atentar que são os pequenos e conscientes passos os responsáveis pelos grandes progressos. Isso exige o exercício de superação da ansiedade que nos leva a acreditar que dar saltos abreviará o tempo para chegar aos resultados. É importante manter na consciência que cada passo já é movimento de deixar para trás o que não cabe mais na realidade e entrar no novo. É preciso valorizar e celebrar cada passo. Repetimos de certa forma em nós o processo de desenvolvimento da consciência humana.  O movimento é contínuo, se dá em pequenos passos no fluxo do tempo e é marcado por pontos de virada, de superação de resistências de um pensar “velho” por um pensar “novo.

Vejo o processo de mudança marcado por três pontos decisivos. O primeiro ponto é que um motivo precisa se tornar ativo. Uma força do profundo do ser precisa se libertar antes que o agir em si possa ocorrer. Em outras palavras: um desejo precisa se tornar “força da vontade”. O segundo ponto é que o processo acontece no fluxo do tempo, em que é fundamental que a sequência de ações sejam criadas no passo a passo e de acordo com o que a situação presente está pedindo. O terceiro ponto é a realização da meta como consequência do processo.

O primeiro ponto carrega um grande desafio: mobilizar o desejo de mudar de forma que ele se torne vontade ativa. Para isso a pessoa ou organização precisa estar vivendo com uma questão que quer transformar. Se não há uma pergunta na organização ou se o indivíduo não tem uma questão, não há razão para mudar. A mudança ocorre a partir do desejo de satisfazer uma necessidade real e verdadeira atrás de uma questão, que muitas vezes está adormecida no profundo do ser do indivíduo ou escondida atrás de problemas que a organização apresenta. Por princípio, todo problema oculta um objetivo a se clarear e quando se tem um objetivo claro é possível reorientar a  energia de solução de problemas para objetivos a se alcançar.

Elizabeth Cerri no Pindorama!

Neste sentido há duas considerações que quero fazer: a primeira é que não acredito que se mude por decreto. Quando há uma exigência externa, se o indivíduo não reconhece nela uma necessidade, ele apenas se adapta ou faz uma mudança num nível superficial que não envolve o ser do indivíduo ou da organização na sua essência e, por isso mesmo, a mudança se torna difícil de sustentar. Numa organização, um feedback a um colaborador, por exemplo, tende a promover uma mudança bem superficial. Para que ocorra uma mudança profunda é preciso construir um processo para o colaborador encontrar o real significado e sentido da mudança, encontrar suas próprias perguntas para certificar-se da utilidade das tarefas que realiza na sua esfera de responsabilidade e assim mobilizar a vontade de embarcar num processo de de tomada de iniciativa das mudanças necessárias.

A segunda consideração que tenho é que nem sempre temos clareza de nossas reais necessidades e consequentemente quais as mudanças necessárias para satisfazê-las e acabamos por ter apenas desejos que não tem a força da necessidade capaz de nos mover em busca de resultados. O exemplo mais comum é do emagrecimento. Há pessoas que desejam ficar mais magras e tentam diferentes regimes e nenhum “funciona”. Só quando encontra no nível da consciência a verdadeira necessidade do emagrecimento e o seu real significado para a vida dela é que mobiliza a sua “força de vontade” e obtém o resultado duradouro, permanente.

Outro grande desafio que encontramos para mudar é o de tomar consciência de crenças e valores que direcionam nossa vida, nossa forma de pensar, de agir e reagir e que foram aprendidas ao longo da vida e principalmente nos primeiros sete anos de vida. Nesse período, ainda vivíamos num estado de consciência adormecida, e, por isso, nossas crenças são tão enraizadas. É nos primeiros sete anos de vida que formamos de nossos hábitos no corpo físico, na nossa forma de agir e reagir, na nossa forma de pensar e ver o mundo e a nós mesmos e até na forma de dialogar com as pessoas e a dialogar internamente. Assim, uma mudança em nível profundo só consegue acontecer a partir da mudança das premissas aprendidas, do pensar renovado capaz de pensar por outros ângulos, de transformar emoções e ações. Ou seja, a mudança num nível profundo pressupõe que se ative os processos de rever nossas crenças direcionadoras, revalidá-las ou não, desaprender o aprendido e aprender o novo de tal forma que seja possível uma reconstrução da realidade, de novos gestos mentais e comportamentais.

As situações de conflito podem nos mostrar mais claramente as fixações que acontecem na forma de ver o outro e que provocam sentimentos e ações que cada vez mais reforçam a visão que se criou dele. É como se o indivíduo precisasse confirmar suas convicções e age de tal modo que elas se confirmem – as profecias auto realizáveis. Agimos de forma que praticamente garantimos o fracasso do que queremos. Isso também acontece na organização quando não queremos abrir mão de nossas convicções. Desapego aqui é a palavra chave. Aprender a olhar o outro, a organização de forma diferente, sem julgamento e interpretações, desaprender o que não se adequa e aprender uma forma nova de agir. Quase sempre queremos que o outro mude acreditando que a situação vai mudar. Se eu não tomar uma iniciativa de mudança em mim mesmo, o sistema não se move. Exemplo simples: a esposa reage com raiva toda vez que ao terminar o jantar o marido vai para o sofá e ela vai lavar a louça. A esposa acredita que o marido não quer ajudá-la em suas tarefas, que ele não considera que ela está cansada. Ela sempre diz o que ele não faz ao invés de falar de sua necessidade de ajuda e fazer o pedido do que precisa. Ou seja, age e reage sistematicamente de forma que sempre a situação se repita. Ao identificarmos nossa real necessidade e nos conscientizando de nossas convicções que estão  nos direcionando, conseguimos encontrar o passo que promove mudança. Se no exemplo acima a mulher identifica que sua  necessidade é de ter mais tempo de descanso, ela pode encontrar a estratégia mais adequada para satisfazê-la sem criar um conflito e até mesmo sem necessariamente precisar do marido. Resumindo: no processo de mudança, identificar e tornar conscientes as necessidades e as convicções direcionadoras é fundamental para o ponto da virada do desaprender velhos padrões para aprender o novo.

O desafio de mudar é aprender a dançar. Os passos acontecem num fluir de ritmo com começo meio e fim e que tem sua beleza quando o dançarino encontra seu swing próprio que respeita suas possibilidades e que constrói um processo único na melodia, considerando as condições do espaço e do parceiro. É estar em si, presente e preparado para o próximo passo, sem se perder, enfrentando o medo do erro, a vontade de fugir do palco. É uma dança importante de ser coreografada em diálogo com quem possa apoiar e ajudar a transformar o simples desejo de mudar na alegria de mudar.

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