Troca e produção de sementes crioulas pode virar contravenção no Brasil como já acontece na Colômbia

Tempo de leitura: 4 minutos

O Projeto de Lei 827/2015 propõe o pagamento de royalties sobre espécies de plantas que foram alteradas, como as híbridas.  Na Colômbia a Resolução 970 do ICA (Instituto Colombiano Agropecuário) resultou na apreensão e destruição de 70 toneladas de sementes dos pequenos agricultores de arroz de Campoalegre, Huila.

70 toneladas de sementes apreendidas em Campoalegre sendo descartadas pelo ICA (Colômbia)

A troca, a livre distribuição e o armazenamento das melhores sementes é uma das práticas mais comuns das comunidades tradicionais, mas esta herança cultural do cultivo corre sérias ameaças. Isso porque o Projeto de Lei (PL) 827/2015, conhecido como Projeto de Lei de Proteção aos Cultivares, quer passar para grandes empresas o controle sobre o uso de sementes, plantas e mudas modificadas.

O projeto de lei, caso aprovado, também irá aumentar o número de cultivares protegidas, isto é, aquelas que não podem ser utilizadas livremente. Até 2015 foram feitos pedidos 3.796 pedidos de proteção de cultivar e foram concedidos títulos para 2.810 cultivares. Segundo informações no site, que estão atualizadas, a última modificação data de novembro de 2017 e para acessar a lista completa de quem solicitou os pedidos clique aqui.

É importante fazer um paralelo com o que vem acontecendo na Colômbia. O ICA afirma que “a Resolução 970 não se aplica ao controle das sementes tradicionais”. “Não há restrições para que um pequeno agricultor possa guardar e usar suas sementes crioulas e, no caso das sementes convencionais, os agricultores podem reservar uma porcentagem da colheita para ser replantada”.

Apesar do ICA afirmar que as sementes crioulas não são controladas, existem atualmente instrumentos jurídicos para processar os agricultores que possuam sementes que apresentem similaridade ou possam ser confundidas com variedades protegidas legalmente. Isso poderia levar os agricultores a serem penalizados com multas e prisão, simplesmente por possuir ou disseminar sementes que se pareçam com as sementes protegidas legalmente que as empresas comercializam. Quanto às restrições existentes para que um pequeno agricultor possa reservar sementes para plantá-las novamente, essa reserva só poderá ser usada apenas uma vez e em uma área máxima de cinco hectares, e ele só pode utilizá-la para uso próprio e não pode entregá-la a terceiros a título nenhum; além disso, deve comprovar que, na unidade produtiva, em seu último cultivo, só utilizou sementes legais, certificadas e selecionadas.

A quem as leis de sementes beneficiam? 

Para entender a dimensão e o alcance do que está acontecendo com as sementes e, especialmente, como afetam milhões de pequenos agricultores no país, é necessário analisar o contexto e as implicações que envolvem as leis de sementes.

Desde épocas ancestrais, os camponeses têm sido os criadores e melhoradores das sementes que sustentam a agricultura e a alimentação no mundo; é por isso que as sementes livres de propriedade intelectual são patrimônio dos povos a serviço da humanidade, o que tem garantido a soberania e autonomia alimentar das comunidades rurais. Os agricultores têm tido o direito ao livre acesso, à produção, a guardar, intercambiar e vender as sementes; é por isso que é inaceitável que se pretenda impor normas que privatizem as sementes e que tirem dos agricultores o controle sobre elas.

Os países industrializados pressionaram os países do Sul a adotar leis de patentes sobre a matéria viva e normas de direitos de obtentores vegetais sobre as sementes, e pretendem entregar às empresas de sementes o controle de todo o sistema de sementes; definem quem são os donos das sementes, e quais podem ser vendidas e quais não; desconhecem os direitos dos países de origem da biodiversidade e, especialmente, os direitos dos agricultores sobre suas sementes.

Hoje, 82% das sementes comercializadas no mundo estão patenteadas, e só dez empresas controlam 77% do mercado; destas, só três — Mon­santo, Dupont e Syngenta — controlam 47% do comércio. Essas normas buscam tornar obrigatórios o registro e a certificação para a comercialização de sementes em mãos de umas poucas empresas, o que tem gerado a perda das sementes camponesas e indígenas, e criminalizam a livre circulação das sementes camponesas.